quinta-feira, 11 de novembro de 2010

História - De Jucelino a Jango : crescimento econômico e populismo

A história recente do Brasil tem como característica principal a consolidação do desenvolvimento industrial de substituições de importação e a implantação do regime militar, formalmente vigente entre 1964 e 1985. Tratou-se de um período convulsionado, em que foi triunfante a modernização conservadora , ainda que sob formas variadas, ao longo de diversos períodos. Nesses trinta anos, particularmente durante o período militar, a face do país mudou radicalmente, embora tenha permanecido inalterada a posição hierárquica dos principais protagonistas sócio-políticos.
Apesar do crônico problema da desigualdade social no Brasil que se torna predominantemente urbano e industrial, a partir dos anos 50 e 60, o legado de Vargas, primeiramente pelos governos JK e Jango e, mais tarde, e principalmente pelos militares, trouxe consigo a idéia de um projeto de nação em busca da integração nacional, de uma política externa independente em busca de afirmação de sua soberania e do desenvolvimento nacional como resposta para as mazelas sociais. Esta idéia, contudo, será bastante mitigada após o final do regime militar e da Guerra Fria, com o advento dos governos neoliberais dos anos 90.

1. Segundo Governo Vargas, Juscelino, Jânio e Jango: Da crise do Populismo ao Golpe Militar (1946-1964)

Durante os anos 50 a industrialização brasileira conheceu um rápido desenvolvimento e urbanização, especialmente com o desenvolvimentismo associado de JK (1956-61), depois do fracasso do nacional-desenvolvimentismo populista do segundo governo Vargas (1951-54). O desenvolvimento nacionalmente centrado de Vargas e , em menor escala, de JK, apoiava-se nas teses da CEPAL e do ISEB ( Instituto Superior de Estudos Brasileiros, fundado em 1955), bem como nos partidos Trabalhista Brasileiro (PTB) e Social Democrático (PSD), ambos criados por Vargas em 1945, e o Comunista do Brasil (PCB, posto na ilegalidade durante o governo Dutra -1945-50).
O governo Dutra representou um recuo aos avanços da primeira era Vargas (1930-1945), por associar-se de forma subordinada ao capital norte-americano sem contrapartidas reais para o desenvolvimento do capitalismo nacional e de divisas que possibilitassem a continuidade da industrialização, eis que este governo baseou-se políticamente em grupos vinculados aos interesses primário-exportadores e pró-norte-americanos. Mais tarde, tanto Vargas como seus sucessores civis iriam sofrer a oposição destes interesses, aglutinados na União Democrática Nacional (UDN) em, em parte, a grupos vinculados à ESG (Escola Superior de Guerra). É importante ressaltar, contudo, que os militares não formavam um grupo coeso. É certo que a maioria era opositora de um eventual regime populista que se transformasse em um regime socialista. Contudo, parcela das Forças Armadas tinham um projeto de desenvolvimento nacional que não excluía nem o capital externo, nem o nacional, e tampouco o estatal. O regime militar irá, assim, adotar e avançar nos princípios esboçados pelos governos de Vargas, manterá as conquistas econômicas dos anos JK, inclusive aprofundando o desenvolvimento econômico nacional, bem como irá redimensionar a Política Externa Independente do período Jânio e Jango, em um contexto internacional mais favorável.

Em síntese, podemos dizer que o projeto econômico do último governo Vargas foi o nacional-desenvolvimentismo, calcado na industrialização substitutiva de importações de bens manufaturados simples. A burguesia se consolida com a urbanização, assim como a classe média e o operariado. Estes grupos irão, assim, participar da vida política nacional dentro do populismo varguista, que era uma forma do líder estar acima dos partidos e segmentos sociais, e usar mecanismos institucionais, políticos, econômicos e de propaganda para, nos marcos de uma democracia, manter-se no controle do conjunto da sociedade, inclusive dos militares. Na realidade, apenas Vargas foi um líder carismático e populista no real sentido desta expressão. A criação das leis trabalhistas (CLT), de partidos como PTB (massa urbana proletária) e PSD (classes médias urbanas e industriais progressistas), bem como a maioria dos ministérios e instituições que conhecemos hoje (BNDES, Ministério de Educação, Ciência e Tecnologia, CNPQ, Petrobrás, Eletrobrás, etc.) formam parte do legado varguista que seus sucessores irão aprofundar e utilizar com propósitos de modernizar o Estado nacional. A política exterior varguista e suas limitações, seguem duas linhas: uma interna e outra externa. A primeira, os limites de encontrar uma conciliação entre forças políticas e sociais que cada vez mais eram contraditórias (PTB e PSD), bem como a perda do apoio dos setores nacionalistas das Forças Armadas em virtude dos parcos resultados econômicos e diplomáticos obtidos por Vargas, bem como pela sua vacilação em recorrer às massas populares, ou a chefes populistas de tendências anti-americanas (Perón), enfraquecia a base de sustentação de sua política exterior, em um círculo vicioso. Na frente externa, o cenário agudo de Guerra Fria e de priorização, por parte dos EUA, dos temas políticos de enquadrar os países da América Latina em doutrinas de segurança nacional (anti-comunista e anti-popular), negando ajuda econômica para a continuidade do desenvolvimento nacional pleiteado por Vargas, assinalou os limites de uma política de barganha nacionalista que o próprio nacionalismo era usado como moeda de troca, mas que em face da priorização do cenário europeu como ponto chave para a disputa político –militar e econômico-ideológica com a União Soviética, não rendeu resultados para Vargas.

Somente durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-61), que se elegeu pela coligação PTB-PSD, é que o projeto nacional pode ser melhor estruturado em uma conjuntura internacional e interna mais favoráveis. Internamente, a posse de JK e do vice Jango Goulart, fora garantida por setores nacionalistas das Forças Armadas. O crescimento econômico decorrente do Plano Qüinqüenal e da interiorização do desenvolvimento (construção da futura capital Brasília no planalto central), bem com a vinda das grandes indústrias automobilísticas como a WG e a opção pelo modelo rodoviário, com a construção das modernas Brs, trouxe melhores perspectivas para a formação de um mercado interno urbano, desenvolvimento dos serviços, transportes, geração de emprego (e acomodação social momentânea) nos grandes centros. Tudo isto garantiu certa coesão social que se refletiu na estabilidade política dos anos JK. Mas seu desenvolvimento era associado aos empréstimos obtidos em bancos privados internacionais e ao FMI. Se os empregos e desenvolvimento trazidos pelas multinacionias foi importante para o crescimento econômico, os empréstimos trouxeram o problema do endividamento externo, que começaria a trazer impacto negativo para os dois governos seguintes.

No plano externo, a Guerra Fria conhecia novos horizontes. Por um lado, A URSS se tornava uma potência nuclear de primeira grandeza e uma potência econômica que iria desenvolver áreas de influência sob os recém independentes países (ex-colônias européias) do Terceiro Mundo (Ásia e África, esta mais no começo dos anos 1960). O notável crescimento econômico japonês e alemão, aliado ao início do processo de integração europeu, o Mercado Comum (ancestral da União Européia), traziam para o campo capitalista desenvolvido novos competidores para a então supremacia econômica e financeira dos EUA. O cenário mundial era, assim, mais propício para países como o Brasil renovarem sua política de barganhas –OPA-e algum tempo depois, já com Jânio Quadros e Jango Goulart, partir para uma política externa mais ousada e independente em relação aos Estados Unidos e aos centros econômicos e financeiros europeus ocidentais.
No caso da Operação Pan-Americana (OPA), deflagrada pelo Itamaraty (chancelaria brasileira-Ministério das Relações Exteriores), JK buscava atrair a atenção econômica dos EUA para uma América Latina liderada pelo Brasil. A partir de 1959, com a tomada do poder em Cuba, por Fidel Castro, que iria se converter em aliado da URSS, a argumentação brasileira de investir no país a fim de evitar a radicalização política de uma nação estratégica para o capital norte-americano ganha maior atenção dos EUA. No entanto, a diplomacia de JK permanecerá voltada para o contexto latino-americano e ainda relativamente subordinada às relações comerciais e financeiras com os EUA.

Jânio Quadros- Jango Goulart e a Política Externa Independente. PEI

As contradições sociais das reformas econômicas de JK iriam se fazer presente entre os anos 1961 – 1964 e, não demoraria para terem ressonância no campo político, levando ao fatídico golpe de Estado em 1964. Em síntese, podemos dizer que a PEI, lançada pelo chanceler Afonso Arinos, durante os sete meses do governo Jânio, tinha os seguintes objetivos: expansão das exportações brasileiras para qualquer país, mesmo socialistas, a defesa do direito internacional, da autodeterminação e a não-intervenção nos assuntos internos/soberania de outras nações, uma política de paz, desarmamento e coexistência pacífica, apoio à descolonização completa dos territórios ainda dependentes e a formulação autônoma de planos nacionais de desenvolvimento e de ajuda externa. Esta política externa tinha sua lógica em razão das necessidades do desenvolvimento brasileiro, uma vez que precisávamos de mercados consumidores, ao passo que os EUA não contribuíam para nossa economia nos patamares desejados. Com a renúncia de Jânio, seu vice Jango assume a Presidência e o novo chanceler, o jurista Santiago Dantas, irá aprofundar os fundamentos da PEI a fim de utilizar os recursos das relações internacionais para o desenvolvimento nacional. A partir daí, a relação entre desenvolvimento interno e diplomacia ficará mais evidente, principalmente durante o regime militar brasileiro.
A renúncia do presidente Jânio Quadros deflagrou uma crise que só seria encerrada com o golpe de 64. Durante os anos 1961-64, paralelo à aguda deterioração dos termos de trocas internacionais, pelo qual os bens primários que eram ainda a base das economias dos países subdesenvolvidos tinha cada vez menos valor em relação aos bens de capitais (industriais e de consumo sofisticado) dos países desenvolvidos, ocorrerá o esgotamento do modelo iniciado nos anos 1930, com a industrialização por substituição de importações. O Brasil, que tornava-se um país industrializado, com um parque que irá se diversificar ao longo dos anos 50, 60 e 70, já era um país em desenvolvimento, mas que ainda dependia de uma boa colocação de produtos primários nas exportações mundiais. No começo dos anos 60, o país se industrializava, mas as contradições sociais vinham junto, com a pressão dos grupos urbanos (trabalhadores, etc.) e o começo do fenômeno do êxodo rural e da necessidade da reforma agrária no meio rural. Nos anos seguintes e durante o resto da década e da década seguinte (anos 1970), o país, já sob governo militares, irá se tornar um grande exportador de manufaturados (bens industrializados) e exercerá uma real autonomia diplomática em um contexto de mundialização das Relações Internacionais. Contudo, os anos de governo Jango ainda não estavam maduros para suportar politicamente essas mudanças, nem tampouco o país ainda contava com recursos econômicos e coesão social suficiente para lograr uma inserção madura no sistema internacional. Acreditamos e podemos levantar a hipótese de que somente um rápido crescimento econômico com redistribuição da riqueza nacional iria trazer a paz social e a coesão interna que estava se deteriorando com o não atendimento das demandas sociais por mais emprego e renda da maioria da população. A inflação se fazia sentir desde os anos finais de JK, com os problemas estruturais de sempre: custo de vida, queda na oferta de emprego, etc. aliados a cada vez maior vinda de pessoas do meio rural em busca de oportunidades na cidade grande, o que aumenta a possibilidade de tensões sociais. Somente um crescimento econômico com novas políticas governamentais que superassem os limites das políticas trabalhistas/populistas, bem como a existência de uma liderança política capaz de mobilizar amplos (e contraditórios) setores da sociedade poderia ter evitado o golpe militar.

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